Sociedade Brasileira de Nutrição Funcional – Boletim Mensal 4/2012
Dra. Marília Cremonezi
A Melatonina (5-methoxy-N-acetyltryptamina) derivada da serotonina, é um hormônio que quando produzido pela glândula pineal, seu principal efeito é a regulação do ciclo circadiano. Além da glândula pineal, outros tecidos produzem melatonina, porém, com efeito autócrino e parácrino, ou seja, age tanto no local onde é produzida, como também em outros tecidos.
O principal órgão produtor de melatonina, extra-pineal, é o intestino, que interessantemente a qualquer hora do dia ou noite contém pelo menos 400 vezes mais quantidade de melatonina que a glândula pineal. Portanto, diferentemente da produção pela glândula pineal, a melatonina produzida no intestino não tem sua síntese regulada pelo ciclo circadiano e sim pela ingestão alimentar e pelo processo digestivo. Esta vasta produção de melatonina no intestino mantém a sua concentração no sangue especialmente sob a influência da ingestão de triptofano, proveniente da alimentação. A administração oral de L-triptofano, provocou um aumento dose-dependente da melatonina circulante em estudo com ratos, mostrando sua importância na precursão de sua síntese.
A síntese de melatonina no intestino ocorre através das células enterocromafins, a partir do triptofano, pela ação das enzimas N-acetiltransferase e hidroxyndole O-metiltransferase. Sua concentração está relacionada com o maior número dessas células enterocromafins, as quais foram encontradas em maior parte no reto e cólon, em estudos com animais e humanos, e em menor concentração no jejuno e íleo. Outros estudos mostraram que períodos de jejum influenciam diretamente o status de melatonina, aumentando sua concentração no estômago e intestino, mostrando uma possível ação no controle da ingestão alimentar. 1,3
Ao contrário da sua sabida atuação no sistema nervoso central, a função da melatonina no intestino ainda não é totalmente elucidada. A melatonina parece desenvolver um papel na regulação da motilidade intestinal, no sistema imunológico e na liberação de peptídeos envolvidos no balanço energético, como o peptídeo YY. Além disso, também pode apresentar ação de proteção do cólon em diferentes condições patofisiológicas. Esses efeitos protetores estariam envolvidos com a ativação do sistema antioxidante ou através da regulação do tônus dos vasos sanguíneos, alterando sua perfusão. Outro possível efeito é a alteração da composição bacteriana da microbiota intestinal através de potente ação antimicrobiana, inibindo o crescimento de E. coli em estudos em vitro.
A melatonina altera a motilidade intestinal através da ativação de seus receptores nas células da musculatura lisa na mucosa gastrointestinal, mostrando em estudos em animais tanto efeitos excitatórios, quanto inibitórios, dependendo da dose administrada. A ação na motilidade acontece através do antagonismo com a serotonina – os estudos mostram que a serotonina tem efeito de contração e geração espasmos na musculatura lisa da mucosa gastrointestinal, enquanto a melatonina tem ação inibindo este efeito de espasmos, e a força de contração, mas mantém a frequência e amplitude do peristaltismo. Com esse relaxamento da musculatura lisa, há um aumento do fluxo sanguíneo. Este último efeito aumentando a perfusão sanguínea foi identificado como efetivo para o tratamento e prevenção de úlceras gástricas e intestinais.
Outro grande efeito da melatonina que veem sendo estudado em diversos sistemas orgânicos é a sua ação antioxidante. Segundo Bubenik, sua ação antioxidante e ligante de radicais livres é ainda mais potente que a vitamina C e E, sendo avaliada e aprovada em estudos para o tratamento e prevenção de patologias na cavidade oral, estomago, esôfago, pâncreas e cólon. Em relação aos efeitos no sistema imune, a melatonina parece regular a expressão de citocinas pró inflamatórias como IL2, IL2R e IFN, podendo ainda interferir na expressão de COX2 e INOS. Desta forma, pode ser uma grande aliada ao tratamento de doenças inflamatórias intestinais.
Com base nessas informações, percebemos que o efeito na regulação da motilidade, ação antioxidante e antiinflamatória, fazem da melatonina uma grande aliada no tratamento de doenças inflamatórias intestinais, como a Doença de Chron, Colites Ulcerativas, Síndrome do Cólon Irritável, Doença Intestinal Inflamatória e até mesmo no Câncer de Cólon.
Como dito anteriormente, a melatonina é um hormônio, portanto sua prescrição é permitida apenas por médicos, desta forma, nós, profissionais nutricionistas, podemos usar outros caminhos para aumentar a oferta de melatonina nos pacientes – aumentando a produção intestinal, a partir da oferta de alimentos fontes de triptofano (quadro 1), serotonina (quadro 2) e fitomelatonina (quadro 3). Em casos pontuais pode-se utilizar a suplementação oral de L-triptofano, a partir de 100mg por dia até o limite recomendado para a ingestão diária (quadro 4). Lembrando também dos nutrientes que participam da conversão de triptofano em serotonina para então ser convertida em melatonina, são estes, vitaminas do complexo B (B1, B2, B3, B6, B9 e B12), vitamina C, cálcio, cromo, magnésio e zinco.2,9
Quadro 1. Fontes alimentares de triptofano.
Alimento | Quantidade de aminoácido por 100g de alimento |
Arroz | 90mg |
Amaranto | 87,3mg |
Flocos de milho | 50mg |
Leite de vaca desnatado | 49mg |
Leite de vaca integral | 46mg |
Banana | 18mg |
Quinoa | 1,1mg |
Aveia | 0,79g |
Soja | 0,45g |
Amendoin | 0,32g |
Atum | 0,30g |
Carne bovina (músculo) | 0,29g |
Gema (ovo de galinha) | 0,29g |
Salmão | 0,26g |
Lentilha | 0,25g |
Feijão branco | 0,23g |
Avelã | 0,20g |
Clara (ovo de galinha) | 0,20g |
Amêndoa | 0,17g |
Castanha-do-Brasil | 0,17g |
Nozes | 0,17g |
Grão-de-bico | 0,16g |
Fonte: Souci e colaboradores10
Quadro 2. Concentração de serotonina em frutas e vegetais
Alimento | Quantidade (mcg/g) |
Pacova | 30,0 +/- 7,5 |
Abacaxi | 17,0 +/- 5,1 |
Banana | 15,0 +/- 2,4 |
Kiwi | 5,8 +/- 0,9 |
Ameixa | 4,7 +/- 0,8 |
Tomates | 3,2 +/- 0,6 |
Acabate | 1,6 +/- 0,4 |
Grapefruit | 1,3 |
Melão Cantalupo | 0,9 |
Melão | 0,9 |
Azeitona preta | 0,6 |
Brócolis | 0,2 |
Berinjela | 0,2 |
Figo | 0,2 |
Espinafre | 0,1 |
Couve-flor | 0,1 |
Fonte: Adaptado de Feldan Lee
Quadro 3. Média de quantidade de melatonina em alimentos, indentificados pelo método de radioimuno avaliação.
Alimento (nome comum) | Nome científico | Quantidade (pg/g) |
Aspargo | Aspargus Officinalis | 10 |
Morango | Pragaria magna | 12 |
Kiwi | Actinidia chinensis | 24 |
Pepino | Curcumis sativus | 25 |
Cebola | Allium cepa | 32 |
Tomate | Lycopersicon esculentun | 32 |
Abacaxi | Ananás comosus | 36 |
Espinafre indiano | Basella alba | 39 |
Maçã | Malus domestica | 48 |
Japanese butterbur | Parasites japonicus | 50 |
Taro | Colocasis esculenta | 55 |
Cenoura | Paucus carota | 55 |
Cebolinha | Allium fistulosum | 86 |
Repolho | Brassica oleraceae | 107 |
Repolho Chinês | Raphamus Sativas | 113 |
Cevada | Hordeum vulgare | 378 |
Chungitsu | Chrysanthemum cororarum | 417 |
Gengibre | Zingiber offinale | 584 |
Japanese ashitaba | Angélica keiski | 624 |
Rabanete japonês | Brassica campestres | 657 |
Arroz | Oryza sativa japônica | 1006 |
Milho doce | Zea mays | 1366 |
Aveia | Abena sativa | 1796 |
Capim | Sestvca arundinacea | 5288 |
Fonte: Adaptado de Reiter e colaboradores
Quadro 4. Recomendação de ingestão diária de triptofano
Gênero | Idade | Quantidade recomendada (mg/dia) |
Crianças | 1-3 anos | 91 |
4-8 anos | 133 | |
Homens | 9-13 anos | 238 |
14-18 anos | 364 | |
> 19 anos | 392 | |
Mulheres | 9-13 anos | 238 |
> 14 anos | 322 | |
Gestantes e lactantes | – | 497 |
Fonte Institute of Medicine 13
Referencias Bibliográficas
1. CHEN, Chun-qiu et al. Distribution, function and physiological role of melatonin in the lower gut. World Journal Of Gastroenterology, Munich, v. 34, n. 17, p.3888-3896, 14 set. 2011.
2. BUBENIK, G A. Thirty Four Years Since The Discovery Of Gastrointestinal melatonin. Journal Of Physiology Any Pharmacology, Ontario, v. 2, n. 59, p.33-51, 2008.
3. BUBENIK, G A. Localization and Biological Activities of Melatonin in Intact and Diseased Gastrointestinal Tract (GIT). Journal Of Physiology Any Pharmacology, Ontario, v. 3, n. 58, p.381-405, 2007.
4. Conde Silira, M et al. Melatonin treatment alters glucosensing capacity and mRNA expression levels of peptides related to food intake control in rainbow trout hypothalamus. General And Comparative Endocrinology, Vigo- Spain, v. 1, n. 178, p.131-138, 01 ago. 2012.
5. THOR, Pj et al. Melatonin and serotonin effects on gastrointestinal motility. And Pharmacology, Cacrow – Poland, n. , p.97-103, dez. 2008.
6. REITER, Russel J. et al. Gastrointestinal tract and melatonin: reducing pathophysiology. Gastroenterologia Polska, Texas – Usa, v. 3, n. 17, p.213-218, 2010.
7. CHOJNACKI, C et al. Evaluation of melatonin effectiveness in the adjuvant treatment of ulcerative colitis. And Pharmacology, Lodz – Poland, n. , p.327-334, jun. 2011.
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BOLETIM MENSAL 4/2012
8. MOZAFFARI, Shilan et al. Melatonin, a Promising Supplement in Inflammatory Bowel Disease: A Comprehensive Review of Evidences. Current Pharmaceutical Design, Tehran – Iran, v. 17, n. 38, p.4372-4378, dez. 2011.
9. PASCHOAL, Valéria; MARQUES, Natália; NAVES, Andréia. Nutrição Clínica Funcional: Suplementação Nutricional. Volume II. São Paulo: Vp Editora, 2012. p. 487.
10. SOUCI, S.W.; FACHMANNW.; KRAUT, H. Food composition and nutrition tables 1989/1990. 4th ed., Wissenchafttiche Verlagas gesellschaft melt. Sttutergart, 1989.
11. FELDAM, J.M.; LEE, E.M.; Serotonin content of foods: effect on urinary excretion of 5-hidroxyindoleacetic acid. Am J Clin Nutr; 42: 639-643. 1985.
12. Institute of Medicine. Dietary Reference Intakes: Energy, Carbohydrate, Fiber, fat, Fatty acids, Cholesterol, Protein and Aminoacids. Whashington, DC, National Academies Press, 2002.
13. REITER, R.J; TAN, D-X.; MANCHESTER L.C. et al. Melatonin in edible plants(phytomelatonin): identification, concentrations, bioavailability and proposed functions. World Rev Nutr Diet; 97:211-230, 2007.